sábado, 15 de agosto de 2009


terça-feira, 16 de dezembro de 2008

manual para se subir no topo de um edifício em Porto Alegre

1. Encontre um prédio, podendo este, inclusive, ser o prédio da sua residência.

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2. Para a apreciação de um ângulo maior do horizonte, bem como para evitar observadores indesejados, dê preferência a prédios que excedam, em altura, construções vizinhas.

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3. Uma vez que se tenha o prédio, é necessário ter acesso aos seus elevadores e escadas, o que ocorre mais facilmente quando se trata de um edifício comercial de qualquer tipo, ou residencial, no caso de já se ter a confiança do porteiro. Em boa parte dos prédios, saídas de incêndio escondem escadarias que atravessam todos os pisos, chegando, inclusive, mais alto do que o elevador, onde, quase sempre, há somente mais uma porta antes do destino final, o topo.

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4. Caso se tenha optado pelo elevador, o mesmo deve subir, devendo-se nele subir antes, chegando, inexoravelmente, a uma altitude não-maior do que a do último andar. Deve ser encontrada, então, uma saída de incêndio, que quase sempre leva a mais uma escada, sempre subindo, e, finalmente, a uma porta.

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5. Da porta trancada, surgem três possibilidades:  

a) Tentar abrir a porta, seja pelo uso da força, pela aplicação de conhecimentos mecânicos, ou através de um estreitamento de laços com o porteiro, o provável detentor da chave. 

b) Procurar por outro prédio. 

c) Desistir.

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6. Com a porta estando destrancada, é preciso segurar a maçaneta, girar e empurrar.

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7. É importante lembrar que a discrição é fundamental, que devido a trágicos desígnios arquitetônicos alguns prédios parecem não ter um acesso possível aos seus respectivos topos, e que muitas vezes é necessário passar por variáveis imprevistas, como escadas verticais, lugares sujos, escuros e esquecidos, além de situações potencialmente perigosas, sendo imperativo manter sempre o bom senso.

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8. Uma vez se chegando ao ponto máximo, é interessante olhar para o cima, para a cidade e onde ela termina, para o horizonte. O pôr e o nascer do sol são momentos especialmente bonitos. É interessante, também, olhar para as pessoas na rua, ou para as pessoas dentro dos outros prédios. É incrível não ser visto. Caso uma pessoa, ou mais, tenha acompanhado o processo, nesse momento é possível, ainda que não seja necessário, conversar. É bom, estando suspenso, contemplar a beleza poluída da cidade. É libertador estar somente na companhia dos pássaros. 

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9. Finalmente, torna-se mais e mais concreta, ainda que seja difícil de colocar em palavras, a razão pela qual, na amarelinha - pelo amor de deus, o jogo, não o livro - as crianças pulam todos aqueles quadrados, até chegarem no céu.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Transcrição de um Sonho


A grama é verde, o céu é azul. Um camundongo branco tenta escapar das garras de um gato, preto amarelo branco. A voz de fantasma do vento canta, ao pé dos ouvidos, o compasso infinito de uma música monótona. Um pouco distante desse gato brincando com um camundongo, outro gato malhado brinca com outro camundongo branco. É impossível diferenciar os dois camundongos, mas eles parecem exatamente iguais. O desespero dos dois é igual, não há dúvida. O segundo gato não só pula ao redor de sua presa e a joga de um lado para outro com as patas, da mesma maneira como faz o primeiro, como as manchas no seu corpo são idênticas as manchas no corpo do primeiro gato. 

Então, algo força a atenção no sentido oposto, como o disparo de uma arma a centímetros da nuca. Mas não há disparo, nem arma, nem outro som que não o vento, enquanto um felino gigantesco no horizonte devora um homem que está nu. O homem deve ter o tamanho de um prédio, mas o o gato é muito maior que ele e o envolve com as garras e arranca sua cabeça com uma mordida. Apesar da violência do ataque, os dois se movem lentamente, com a graça da nuvem de uma explosão atômica.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

breve episódio na vida de uma jovem incauta

Caminhava para casa, quando 
em meu caminho 
surgiu um homem. 

O homem segurava 
com a mão esquerda 
acima da cabeça 
uma granada. 

Caso o terror que essa visão me causou fosse um pouco menor
eu teria, sem dúvida, corrido para longe.
 
Se, por outro lado 
avistar algo fosse capaz de me causar um impacto maior 
no chão eu cairia morta 
da loucura, pelo meu coração, poupada.

Esqueci de dizer isso antes:
 
Embaixo do outro braço, o homem trazia um livro, 
além da granada, que, acima da cabeça, decidido
carregava.

E estava nu.

Era de dia, eu
Caminhava para casa, quando
em meu caminho, surgiu esse homem pelado
carregando embaixo do braço direito um livro
e na mão esquerda, acima da cabeça, uma granada.

E eu, não sendo capaz de dizer ou fazer nada
fiquei estática, nenhuma outra pessoa na rua
somente nós dois frente a frente
nos encarando 
eu incrédula
ele nu, 
os pés descalços 
na calçada.

Eu sou o terrorista do amor
em um atentado ao pudor
ele, em voz firme, me disse
Então, sem piscar, em seus braços me tomou. 
Me deu um beijo.  
Me entregou o livro e tirou o pino da granada.

Atinei então em fugir, 
sem me dar conta de que 
em meus braços, protegia
feito uma criança recém nascida, 
o livro que me havia sido dado.

Corri por alguns segundos, antes de ouvir a explosão 
que me fez virar para trás e ver, ao invés de uma nuvem de sangue 
ossos e tripas espalhados pelo chão, Um enxame de penas brancas, 
flutuantes, até 
aos céus 
por um turbilhão insólito 
serem carregadas.